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quinta-feira, 8 de maio de 2025

Papo na Fogueira – Capítulo 3

Papo na Fogueira – Capítulo 3: Entre o Sagrado e o Cotidiano

Nem toda fogueira precisa de lenha — algumas são feitas de tempo, memórias e gente disposta a escutar.

Chegamos pontualmente. Dessa vez, sem correria, sem desculpas. E pra ser sincero, dessa vez eu estava até um pouco ansioso — no bom sentido. Na verdade, talvez ansioso não seja a palavra. Mas havia em mim um desejo sincero de estar ali. De compartilhar mais uma dessas noites que a gente vai lembrar por muito tempo, mesmo que não saiba disso agora.

Logo nos primeiros minutos, aqueles rituais invisíveis de sempre: os cumprimentos, as piadas internas, o ritmo que a amizade estabelece sem a gente perceber. E, claro, a preparação. Fiz uma nota mental alguns dias antes: dessa vez, venha melhor preparado. E eu vim. Tinha comigo uma garrafinha de água, um copo de cerveja, uns croissants e meio pacote de pão de queijo sobrevivente do final de semana. Nada demais, mas o suficiente pra me fazer companhia se a conversa durasse horas — e eu sabia que ia durar.

É engraçado como, com o tempo, a gente aprende que estar preparado pra uma conversa importante é diferente de estar com argumento na ponta da língua. Estar preparado aqui é mais simples: é ter tempo, ter silêncio ao redor, ter disposição pra ouvir. É quase como se cada um de nós fosse responsável por manter a chama acesa — mesmo que ninguém soubesse ao certo que tipo de lenha a fogueira ia pedir.

Todos estávamos lá: eu, André, e Alexandre. A trindade do caos organizado. E como em todo papo que importa, ninguém tinha um roteiro fixo. Apenas o desejo de partilhar o mundo pelas palavras.

1. O Tempo como Gatilho e Ilusão

Foi a primeira vez que pedi a palavra assim, logo de início. Talvez fosse ansiedade, talvez vontade de devolver algo à fogueira depois da última conversa. Talvez fosse só cansaço mesmo. Agradeci nosso último encontro com sinceridade — falei sobre como os dias seguintes tinham sido estranhamente silenciosos, e ri, junto com eles, ao lembrar da ironia do desencontro da semana passada. Eu me preparei tanto, até deixei comida e água ao lado do notebook. Mas no fim, nenhum de nós conseguiu comparecer. A vida, como sempre, nos puxando pelas mãos para outros compromissos inadiáveis. E isso, claro, virou tema.

Lancei ali, como quem joga lenha molhada esperando faísca: “Hoje eu queria falar sobre o tempo.” E não o tempo poético, não o das estações ou das memórias. Eu queria falar do tempo como ferramenta de controle. Como coleira. Como agenda marcada com obrigações que ninguém pediu. Falei das nossas rotinas, dos nossos horários sagrados de trabalho, de lazer, de sono. Falei da forma como a gente compartimenta a vida em blocos de tempo, fingindo que com isso a gente ganha algum controle. A verdade? Eu nunca me senti tão sem tempo — e, ironicamente, nunca vi tanta gente falando sobre produtividade, otimização e “gestão de horas”.

Eu perguntei se eles também sentiam isso: essa pressão silenciosa de que a gente está sempre atrasado. De que existe algo nos esperando que a gente está negligenciando. E mesmo quando estamos com tempo livre — tempo teoricamente nosso — surge a culpa. A culpa de não estar usando esse tempo “bem”. A culpa de não estar sendo útil. Eu falei da minha sensação recorrente de estar sempre esgotado, mas sem ter feito nada realmente significativo. Como se o tempo tivesse me sugado e cuspido de volta vazio.

E aí trouxe o que me veio à cabeça esses dias: “Será que o tempo não é a maior mentira que nos contaram?” Porque a gente fala sobre ele como se fosse algo concreto, palpável, quase material. Mas o tempo, talvez, seja apenas mais uma invenção para tentarmos domar a vida. Como quem tenta prender o mar com as mãos. Falei que, nos momentos de maior dor, o tempo não existe. E nos momentos de maior prazer, também não. A gente só sente o agora. Só se perde ou se encontra nele.

Lembrei então da frase de Jean-Paul Sartre: “O tempo é um luxo que os homens livres não têm.” Me perguntei em voz alta se somos realmente livres ou se apenas vivemos ocupando o tempo com tarefas para não olhar para o abismo. A fogueira crepitava ali do lado e me ocorreu que talvez ela, sozinha, fosse mais sábia que nós três juntos. Ela apenas queima. Não tem pressa, não atrasa, não antecipa. O fogo vive no agora. E a gente está sempre no depois.

Comentei também de uma ideia antiga que me assombra desde adolescente: a de que o tempo não existe. Que fomos nós, como espécie, que o inventamos. Para organizar colheitas, para agendar guerras, para saber quando acordar e quando morrer. Porque a vida sem tempo seria insuportável. Seria crua demais. Mas também, talvez, seria mais real. Einstein dizia que a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma “ilusão teimosamente persistente”. E essa frase não me larga. Será que estamos todos só tentando manter uma ilusão para não desmoronar?

Finalizei meu devaneio com uma pergunta sincera. “Como é para vocês o conceito de ter tempo?” Porque eu já não sei mais se eu tenho tempo, se sou possuído por ele, ou se só finjo que estou vivendo dentro dele. Talvez seja tudo uma dança mal ensaiada, onde a gente finge dominar o ritmo, mas no fundo só tenta não tropeçar. E ali, naquela noite, naquela roda improvisada, eu queria saber: será que alguém ainda dança por prazer, ou todo mundo só tenta não cair?

2. Alexandre e o Tempo Irrecuperável

Alexandre pediu a palavra do jeito que ele sempre faz: calmo, sem pressa, mas com aquele tom de quem está prestes a pensar em voz alta — e isso, vindo dele, sempre promete alguma coisa boa. Ele coçou a barba, mexeu o corpo na cadeira como quem busca alguma firmeza, e começou com uma frase que soou como um suspiro:

“Faz duas semanas que estou na estrada.”

Disse assim mesmo, sem dramatização. Mas o peso daquelas palavras caiu na fogueira como uma brasa mais viva. A gente ficou em silêncio, e ele continuou, olhando pro nada, talvez pra dentro:

“Duas semanas fora de casa. E só hoje eu percebi isso.”

Começou a contar sobre os últimos dias. O trabalho, as viagens, os hotéis impessoais com cortinas grossas e cheiro de ar-condicionado vencido. Disse que, na correria, mal sabia o nome dos lugares por onde tinha passado. Eram só pontos num mapa, reuniões encaixadas, esperas em aeroportos, cafés rápidos demais para terem gosto. E a ficha caiu ali, naquele momento. Ele disse:

“Eu não tô viajando o mundo. Eu tô escapando da minha vida.”

E ficou aquele silêncio. Um silêncio não desconfortável, mas necessário. Porque todos ali sabíamos, de algum modo, o que ele queria dizer. A estrada, para muitos, é liberdade. Para outros, é exílio. Ele explicou que, no início, viajar era encantador. Uma quebra da rotina, um contato com o novo. Mas agora, era rotina. Era função. Era peso. E cada check-in era mais um “não estou em casa”.

Falou da esposa. Disse que se lembrava da última vez que jantaram juntos, mas não conseguia lembrar do que conversaram. Falou dos filhos, de como a voz deles no telefone soava mais distante a cada ligação. Disse que achava que estava fazendo tudo por eles — mas que agora não tinha tanta certeza. “Será que eles preferiam um presente ou a minha presença?” A frase saiu meio quebrada, como quem pergunta e já sabe a resposta.

Foi aí que ele nos contou que, nos últimos dias, resolveu contabilizar suas horas. Não por controle, mas por curiosidade. Pegou o celular, os aplicativos de rotina, e fez a matemática simples. Chegou a um número assustador: mais de 12 horas do dia eram consumidas com trabalho direto ou indireto — reuniões, deslocamentos, mensagens, planejamento. Dormia 5 horas, no máximo. O resto era trânsito, refeições às pressas e tarefas inevitáveis.

“Sobrava, em média, uma hora e meia por dia.”

Uma hora e meia. Esse era o tempo que ele tinha, por dia, para ser marido, pai, amigo, filho, leitor, homem. Uma hora e meia por dia para viver. O resto? O resto era cumprir papéis. Sustentar o sistema. Ser a peça que gira a engrenagem. E isso, ele disse, foi um choque de realidade.

“A gente sempre diz que não tem tempo. Mas quando você vê no papel, preto no branco, o quanto você de fato não tem, bate um desespero.”

Ficamos todos olhando o fogo, que parecia respirar junto com ele. Alexandre estava diferente. Menos animado, mais denso. Como se, enfim, tivesse parado. Disse que aquela conversa, naquela noite, era o momento mais dele que ele havia tido em semanas. E não era força de expressão. Era verdade. Ele disse que se deu conta de que não estava vivendo com tempo para o importante. Estava vivendo para o urgente. Que suas horas eram devoradas por alertas de celular e compromissos que pareciam grandes, mas que, vistos de longe, eram vazios.

Ele respirou fundo e continuou:

“A gente marca na agenda o horário do Zoom, o vencimento do boleto, a entrega do projeto. Mas não marca tempo pra ouvir uma música inteira. Não marca o dia de levar o filho pra ver o pôr do sol. Não marca ‘abraçar quem a gente ama’. E aí, quando se vê, o tempo passou. E o que sobrou não é memória. É só registro bancário e histórico de reuniões.”

Lembrei-me em meio ao silêncio de uma frase de Sêneca, que dizia: “Não é que temos pouco tempo, é que desperdiçamos muito.” Alexandre sentia, na pele, essa constatação. O tempo está lá. Mas a gente o esfarela. Pedaço por pedaço, em compromissos que nos afastam da nossa própria essência. Ele se perguntava onde foi parar o homem que gostava de escrever, de caminhar, de ouvir música. Disse que há semanas não lia um livro. Que todo tempo que tinha era para lidar com o próximo problema que o trabalho colocava na frente. E que agora, vendo assim, tudo parecia muito... insano.

Falou de saúde. Do quanto vinha dormindo mal. Do quanto a cabeça girava em loop com coisas que talvez nem importassem. Disse que, se parasse para escrever o que realmente era essencial, talvez essa lista coubesse numa folha A5. Mas o resto da vida dele, hoje, estava ocupando um fichário inteiro de urgências inventadas.

Alexandre então nos olhou — e talvez olhasse a si mesmo ali, espelhado em nós — e disse:

“Não sei se tem volta. Mas acho que ainda tem escolha.”

Disse que queria começar a marcar o tempo não mais pelos relógios ou cronogramas. Mas pelas experiências. Pelas conversas à fogueira. Pelas caminhadas com os filhos. Pelas noites que não precisavam ser produtivas. Disse que queria reconquistar a própria vida. Que talvez fosse impossível sair totalmente do sistema, mas que ele poderia pelo menos começar a arrancar algumas raízes dele de dentro de si. “Não é liberdade, talvez, mas é resistência.”

Finalizou com uma frase que soou mais como prece do que como conclusão:

“Eu não quero mais ser um corpo ocupado. Quero ser presença. Quero ser pausa.”

Ficamos em silêncio por alguns segundos. O fogo estalou. Um graveto se partiu. E acho que todos ali sentimos o que é estar diante de alguém que, no meio do caos, encontrou uma fresta de lucidez. Alexandre não estava reclamando. Não estava lamentando. Ele estava, de alguma forma, acordando.

E naquele instante, eu entendi. O que ele nos contou não era sobre perder tempo. Era sobre reconhecer que o tempo, se não for vivido com intenção, é roubado em silêncio. E talvez o primeiro passo para ter tempo — seja lá o que isso signifique — seja admitir que a gente não tem mais nenhum. Porque é só no fim da corda que se aprende a subir.

A fogueira seguiu acesa. E havia mais para dizer. Mas, por ora, era isso.

3. André, a Ansiedade e a Batalha Diária

André não pediu a palavra. Ele tomou. Do jeito dele — direto, intenso, de fala firme e expressão viva. Era como se já estivesse pronto pra esse momento desde a última fogueira. Ele respirou fundo, ajeitou o corpo e disse, quase como um soco manso:

“O problema não é o tempo. É o que ele carrega dentro.”

Fez uma pausa rápida, depois emendou:

“Quem é ansioso não quer tempo. Quer controle.”

E ali ele nos colocou em outro campo da conversa. Um lugar mais íntimo, mais humano, mais cru. Falou que pra ele, o tempo sempre foi uma coisa opressora. Um muro que vinha correndo em sua direção o tempo todo. E que sua maior obsessão não era ter mais horas no dia, mas fazer com que todas elas estivessem sob domínio — planejadas, cronometradas, com começo, meio e fim. Uma tentativa desesperada de impedir o mundo de desmoronar ao seu redor.

“Ansioso precisa ter uma agenda que funcione como colete à prova de mundo”, ele disse. “Mas sempre falha. Sempre escapa alguma coisa. E aí vem a frustração. A raiva. O descontrole.”

Nos contou de um tempo mais difícil. De como tentava controlar tudo — desde os horários de acordar até a ordem dos alimentos no prato. Tudo tinha que fazer sentido. Tudo precisava caber numa lógica que garantisse segurança. Mas a vida, disse ele, não cabe em planilhas. E a tentativa de controlar tudo só ampliava a sensação de impotência. “Porque o mundo é uma entidade rebelde”, brincou. “E eu queria ser ditador do universo.”

Rimos. Mas a verdade era outra. André não falava de forma leve. Ele falava com sinceridade brutal. Contou que suas explosões eram como válvulas de pressão. Que quando o mundo não obedecia ao script, ele explodia. Com raiva. Com tristeza. Com palavras que depois voltavam pra cobrar.

“Eu perdi gente boa por causa disso. Gente que eu amava. Não por maldade, mas por excesso. Por não saber perder o controle sem me perder junto.”

Fez silêncio. Engoliu seco. A fogueira estalava no fundo. A noite, de alguma forma, parecia mais escura naquele trecho. Mas ele seguiu. Disse que há alguns anos, cansado de explodir e de juntar os cacos, resolveu mudar. E encontrou num lugar improvável a sua ferramenta de reconstrução: o corpo.

“Atividade física salvou minha mente. Eu achei que ia fazer bem pro corpo. Mas foi a cabeça que desinchou.”

Falou da primeira corrida, onde quase desmaiou. Do primeiro treino de academia, em que saiu com dor até na alma. Mas também da primeira vez em que percebeu que, ali, naquele espaço, o mundo silenciava. Os pesos, o ritmo, a respiração — tudo isso criava uma estrutura de controle honesta. Não era sobre mandar no mundo. Era sobre mandar em si.

“É o único lugar onde eu consigo fracassar e ainda sair vencedor.”

Disse que ali ele aprendeu a respeitar limites. A entender que progresso é repetição. Que é na constância, não no controle, que mora a força. E que, aos poucos, começou a levar isso pra vida. A entender que nem toda agenda precisa ser cumprida, e que às vezes, a vitória do dia é apenas não explodir. Não gritar. Não abandonar o processo.

Compartilhou conosco uma coisa linda. Disse que hoje ele mede os dias não pelos resultados, mas pela intensidade com que tentou ser melhor. Que tem dias em que falha, e tudo bem. Mas que está aprendendo a aceitar isso sem se punir. “Aprender a perder sem se odiar já é uma vitória imensa pra quem viveu de autocobrança”, disse. E a frase caiu na roda como uma verdade universal.

Citou uma frase de Epicteto que carrega no celular: “Não são as coisas que nos perturbam, mas a visão que temos delas.” E disse que está tentando trocar de lente. Que, sim, o mundo ainda desmorona às vezes. Mas ele já não sente mais a necessidade de tentar sustentar tudo nas costas. Que está aprendendo a deixar cair o que não é dele. A sentar com a dor. A rir do caos.

“Eu ainda erro. Muito. Ainda me saboto. Ainda falo demais. Mas agora eu sei o que estou tentando construir. E isso muda tudo.”

Ouvimos tudo em silêncio, como se cada palavra estivesse sendo tatuada na pele da noite. André nunca fala por falar. Ele fala por viver. E ouvir sobre suas batalhas era como olhar para nossas próprias feridas sob uma nova luz. O tempo, para ele, não é mais o inimigo. É o campo de batalha. É o cronômetro de uma luta íntima. E o prêmio, talvez, não seja vencer — mas resistir mais um round.

A fogueira continuava acesa. E mesmo que o tempo fosse o tema, ali, entre amigos, o tempo parecia ter parado um pouco. Só pra ouvir.

4. Convergências à Fogueira

Dessa vez, algo diferente aconteceu. Não foi uma sequência de turnos, nem um debate de ideias divergentes. Foi uma conversa fluida, viva, que mais parecia uma música com vozes se entrelaçando. Não houve interrupções bruscas, não houve contrapontos espinhosos — houve, sobretudo, escuta. E escuta atenta.

Quando André terminou de falar, Alexandre não esperou a deixa. Não porque estivesse apressado, mas porque a fala de um já puxava naturalmente a do outro. Cada palavra deixada no ar parecia convocar a próxima. Cada relato nos atravessava e era respondido, não com argumentos, mas com vivências. Essa fogueira teve menos faíscas e mais calor. Menos fricção, mais convergência.

Fomos percebendo, aos poucos, que todos estávamos enfrentando o mesmo inimigo com armas diferentes. O tempo. A cobrança. A pressa. A culpa. Estávamos todos cansados — de correr, de errar, de tentar dar conta de tudo, de nos sentir culpados por não conseguir. E estávamos todos buscando, cada um a seu modo, algum tipo de sossego possível.

Falamos sobre como nossos ritmos mudaram. Sobre como a vida nos exige aceleração, mas nossos corpos pedem pausas. E que talvez o maior desafio da vida adulta não seja fazer muito — mas saber a hora de parar. Fomos completando as frases uns dos outros, como se já soubéssemos onde o pensamento ia chegar. E ainda assim, ouvimos até o fim. Porque ouvir também é um ato de amor.

Lembrei de uma frase de Hannah Arendt, que diz: “A vida humana sempre se move entre o nascimento e a morte, e é por isso que ela nunca está concluída.” Essa noite, compreendemos que não é preciso concluir nada. Que talvez a vida seja essa conversa contínua, com pausas, retornos, silêncios e olhares. Que nossos erros são partes do caminho, e não desvios dele. E que estamos todos apenas tentando fazer sentido dentro de um tempo que não dá trégua.

Não havia discordâncias nessa roda. Havia relatos. Ecos. Feridas expostas e acolhidas. Não resolvemos nossas angústias. Mas falamos delas com verdade. E em tempos como esse, isso já é quase uma redenção.

Sentimos que essa fogueira nos reconectou. Que mesmo quando o mundo nos dispersa em rotinas e distâncias, ainda conseguimos encontrar o outro pela palavra. Pela presença. Pelo silêncio compartilhado entre amigos que, apesar dos tropeços, ainda escolhem se sentar juntos pra pensar a vida. E rir dela também, quando for possível.

Ao final, ninguém queria encerrar. Mas sabíamos que a noite também precisa de ponto final. E talvez por isso, o destino nos concedeu um presente. Não estávamos ali por obrigação. Mas porque, por algumas horas, tivemos tempo. Tempo de verdade.

Eis que então...

5. Um Segredo Entre Nós e a Fogueira

A conversa já caminhava para o fim quando Alexandre, num daqueles momentos que só acontecem quando o silêncio é respeitado, lançou uma questão no ar. Não foi com palavras diretas, nem com o tom de quem exige resposta. Foi mais como um pensamento que escapou. E talvez por isso tenha nos atravessado tanto.

Não vou repetir aqui o que foi dito. Algumas coisas pertencem ao tempo e ao espaço onde aconteceram. E essa foi uma delas. Fica entre nós e a fogueira. E talvez só ela tenha merecido por completo ser a única testemunha "viva" daquelas horas que compartilhamos.

O que posso dizer é que aquele momento selou algo entre nós. Não foi um pacto formal, nem uma promessa com data marcada. Mas saímos dali com um tipo de acordo silencioso: o de que, apesar de todas as pressões, perdas e distorções do tempo, ainda podíamos escolher.

Escolher fazer o tempo valer. Escolher parar um pouco. Escolher dizer “não” para a pressa e “sim” para o que importa. E, acima de tudo, escolher estar. Estar de verdade, não pela presença física, mas pela entrega emocional. Pela escuta. Pela palavra partilhada. Pelo silêncio compreendido.

Antes de encerrar, alguém comentou — nem lembro quem — que nem tínhamos percebido o tempo passar. E foi aí que nos demos conta: ironicamente, nossa melhor conversa sobre o tempo foi justamente aquela em que ele deixou de nos importunar.

A fogueira já estava menor, as brasas ainda acesas, como que segurando a última faísca só pra não nos interromper. E assim nos despedimos, não com a urgência de quem tem hora marcada, mas com a leveza de quem, por uma noite, teve tempo de sobra onde mais precisava: dentro de si e entre os outros.

Até a próxima roda. Que a chama nunca falte.



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