Gamertag

quarta-feira, 23 de abril de 2025

FROM S1E3- Choosing Day

🚨 Aviso: este texto contém spoilers da série From.

Segundas Impressões – Escolher Onde Cair

From, primeira temporada, episódio 3. Um capítulo sobre escolhas forçadas, estruturas frágeis e o que sustenta uma comunidade sob ameaça constante.

Escolher onde morar. Parece algo banal, um privilégio cotidiano. Mas nesse episódio de From, essa decisão se transforma em um dilema quase existencial. A família Matthews chega à encruzilhada: ficar na cidade, sob a liderança de Boyd, ou seguir para a casa colonial, onde reina uma certa liberdade comandada por Donna. A série nos convida a refletir sobre o que nos faz sentir seguros. Ou livres. Ou iludidamente no controle.

A decisão precisa ser tomada rapidamente, sem tempo para adaptação. E isso já diz muito sobre a lógica desse universo: tudo aqui é tensão, urgência, ameaça. Não há espaço para o conforto da ponderação. Cada escolha é um salto — e o chão pode não estar mais lá quando aterrissarmos.

Não há animosidade explícita entre Boyd e Donna. Eles parecem coexistir em um pacto silencioso de sobrevivência, cada um liderando à sua maneira. Mas há rachaduras. A relação entre Boyd e seu filho, Ellis, é uma delas. E, por mais improvável que pareça, essas fissuras privadas refletem as tensões maiores que sustentam (ou ameaçam) toda a comunidade.

A cidade parece mais estruturada, regrada, quase opressiva. Mas também parece ser um lugar mais seguro para crianças. Já a casa colonial pulsa com uma energia mais adulta — e às vezes, quase libertina. Ainda no início do episódio, vemos um casal transando a poucos metros de onde a família Matthews tenta dormir. Há ali uma vibração de desapego, de vida vivida no limite, o que pode ser excitante para alguns... e insuportável para outros.

Mesmo com um dos quartos da casa da cidade literalmente banhado em sangue, Tabitha, Jim e Ethan optam por ficar ali. Já Julie, a filha adolescente, escolhe ir para a casa colonial. Na primeira vez que vi essa cena, aquilo me pareceu quase um ato de provocação juvenil. Hoje, ao rever, percebo: a família Matthews já chegou quebrada. From não está os destruindo. Apenas expondo as rachaduras com mais luz.

Tabitha, em especial, está à beira de um colapso. Bélica, arisca, desconfiada de tudo e todos. Seu comportamento pode parecer exagerado, mas quem somos nós para julgar? Estamos falando de uma mulher arrastada para um pesadelo sem fim, vendo sua família se despedaçar dia após dia. Talvez sua raiva seja só outra forma de luto.

A Caixa

E então temos ela: a caixa. Um artefato estranho, metálico, isolado no meio da cidade. Apareceu desde o primeiro episódio, mas aqui começa a ganhar função simbólica. Para muitos, parece um reboque abandonado. Para outros, é uma ferramenta de punição. Mas para todos ali, ela representa uma verdade indiscutível: existem regras. Regras duras. Regras que matam.

A caixa é o instrumento mais cruel e mais necessário dessa comunidade. Ela existe para lembrar que a ordem precisa de consequência. Que o medo, por mais detestável, é um aliado da sanidade em tempos extremos. Me lembra a velha tática da espada na bainha: o poder não está em usá-la, mas em mantê-la visível o tempo todo. Uma ameaça silenciosa que impede o caos de eclodir.

E ainda assim... o caos vem. Frank quebrou as regras. E quebrou, também, a si mesmo. No início da série, vimos as consequências disso. Sua esposa e filha foram mortas por sua irresponsabilidade. E ele ficou... oco. Vazio. Destruído. Tentou afogar a dor no álcool e acabou flutuando na própria culpa. Quando Boyd lhe oferece a chance de fugir da punição, ele recusa. Não porque quer morrer. Mas porque não consegue mais viver com o que fez.

É doloroso assistir. Porque no fundo, sabemos: Frank não é o vilão. É só mais uma vítima daquilo que essa cidade faz com as pessoas. Ela não arranca apenas a liberdade. Ela corrói a alma. Lentamente.

Boyd, o Padre e o Peso da Decisão

Boyd ainda é um mistério. Não sabemos como ele virou líder. Não sabemos até onde vai sua frieza — ou sua humanidade. Mas nesse episódio, vemos um vislumbre do seu conflito interno. A conversa dele com o Padre Khatri é uma das mais densas até aqui. Nenhum dos dois está certo. Nenhum está errado. Um quer preservar a ordem. O outro quer resgatar a compaixão. A série joga o espectador nesse limbo moral onde toda certeza vira interrogação.

É o tipo de dilema que só séries corajosas se permitem encarar. Em From, não existe o bem absoluto. Só escolhas difíceis, em um mundo que parece desenhado para falhar. Um jogo de sobrevivência onde a empatia é uma arma rara e, por isso mesmo, valiosa.

Jade e a “Escape Room Cósmica”

E aí temos... Jade. O hacker, o cético, o arrogante — e talvez o personagem mais divertido (e irritante) da série até agora. Ele acredita, com uma convicção quase ofensiva, que tudo aquilo é uma escape room elaboradíssima. Como se monstros devoradores de carne humana e caixas de execução fossem apenas puzzles imersivos.

Ver Jade analisar os eventos com lógica gamer, tentando encontrar pistas e padrões, chega a ser hilário. É o tipo de humor ácido que a série sabe usar na medida certa. Porque Jade, apesar de insuportável, representa também uma parte de nós: a necessidade desesperada de encontrar um sentido, uma lógica, um roteiro, mesmo que a realidade esteja gritando o contrário.

Se o inferno é real, ele provavelmente se parece com uma escape room onde o tempo acabou — e ninguém te avisou.


Segundas impressões também servem para revelar aquilo que passou despercebido na primeira. E From é esse tipo de série: ela nos convida a olhar de novo. Não para entender melhor. Mas para sentir diferente.

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