Segundas Impressões – A Vila Entre os Galhos
Xenoblade Chronicles, rejogado em 2025. Um capítulo sobre Frontier Village, árvores que guardam histórias e missões que tocam de verdade.
Rejogar Xenoblade Chronicles em 2025 tem sido como vasculhar um velho baú que ficou fechado por mais de uma década. A poeira emocional se acumula nos cantos, mas ao levantar a tampa, o cheiro de infância, memória e surpresa ainda está lá. E mesmo que os olhos agora estejam mais cansados, eles também enxergam melhor. Com mais exigência, talvez. Mas também com mais generosidade. Com mais... sede.
Algumas paisagens que me fascinavam em 2011 hoje me parecem simples, como brinquedos que guardávamos com orgulho e, ao reencontrar, percebemos que eram pequenos — mas não menos significativos. Por outro lado, muitos detalhes que passaram despercebidos na época, agora me atravessam como flechas certeiras. E nenhum lugar representou melhor esse reencontro afetivo do que a mágica e misteriosa Frontier Village.
1. O Encantamento Vertical: A Chegada em Frontier Village
Ela surge de repente. Escondida entre os galhos gigantes da árvore sagrada em Makna Forest, Frontier Village não é um ponto no mapa — é uma revelação. Um segredo guardado pela floresta, que só se entrega a quem tem olhos atentos e coração disposto a ouvir sussurros de madeira antiga.
A vila escondida entre os galhos de uma árvore colossal, que já havíamos visto à distância no primeiro vislumbre de Makna Forest, finalmente se revela. E a experiência é mais poderosa do que eu lembrava.
Desde o primeiro olhar à distância, algo naquela estrutura instiga. Uma promessa de verticalidade. De um mundo empilhado em andares de significado. Quando finalmente alcançamos seus primeiros degraus, a sensação não é de chegada, mas de iniciação.
“Às vezes, o que parece pequeno por fora, carrega um mundo inteiro por dentro.” – Fragmento de diário esquecido
Subir por Frontier Village é como escalar o interior de um sonho infantil. Rampa após rampa, a vila se descortina como se fosse viva. As construções parecem brotar dos galhos, e não serem impostas a eles. As casas se curvam para o tronco, as luzes dançam como vagalumes encantados, e cada andar parece guardar um pequeno ritual de descoberta. Há algo profundamente orgânico na forma como ela foi desenhada — como se a arquitetura tivesse sido sussurrada pela própria floresta.
Há um sentimento lúdico em cada detalhe. Frontier Village é uma cidade da árvore, mas lembra também aquelas casas da infância feitas de tábuas, segredos e imaginação. E é curioso: mesmo com sua grandiosidade vertical, ela desperta um tipo de afeto quase caseiro. Um aconchego nostálgico. Ao mesmo tempo em que é um labirinto vivo, é também um convite à pausa. Ao olhar. À conversa. À brincadeira. É um lugar onde se sorri com os olhos — e com os pés, que caminham sem pressa.
Talvez seja por isso que, ao explorar suas lojinhas, altares e ninhos, eu me peguei sorrindo. E não por uma cutscene emocionante, nem por um item raro — mas pela beleza de estar ali. De pertencer, por um tempo, àquela estrutura viva. Frontier Village é mais do que um cenário bonito. É um personagem. E um dos mais cativantes do jogo inteiro.
2. As Missões que Realmente Importam
E então vêm eles: os Nopon. Pequenos, estranhos, engraçados, redondos e... profundos. No início, como em qualquer RPG, pareciam apenas mascotes. Um alívio cômico entre os combates e dilemas épicos. Mas à medida que os diálogos se desenrolam e as sidequests começam a surgir, você percebe: os Nopon são muito mais do que isso. Eles carregam uma humanidade curiosa — e uma sensibilidade surpreendente.
As missões em Frontier Village tocam de forma diferente. Pela primeira vez em muitas horas de jogo, eu me vi aceitando tarefas não por XP, nem por itens lendários — mas porque queria ajudar. Um pai preocupado. Um filhote doente. Um ingrediente raro para um remédio. Um pedido de socorro feito com timidez. Aquelas vidas são pequenas, mas não são vazias. Há história ali. Há afeto. Há vida pulsando.
Ao redor da vila, as criaturas da floresta parecem gigantes famintos. A sensação de ameaça é constante. E ainda assim, os Nopon vivem, resistem, reconstroem. Estão espalhados por todos os locais que passamos, desde Colony 9 — e isso me levou a um pensamento sombrio: como esses seres frágeis sobrevivem em um mundo tão brutal?
É aí que o jogo brilha. As sidequests ganham contexto. Deixam de ser tarefas burocráticas e se tornam um gesto. Cada missão cumprida não é apenas uma estatística, mas uma pequena celebração da continuidade de uma cultura minúscula e encantadora.
Aqui os pedidos de limpar certas áreas, certos montros, fazem sentido, não parecem apenas um preenchimento vazio, me senti realmente garantindo a sobrevivência daqueles seres. Não estava apenas jogando — estava zelando.
3. Mélia: Silêncios que Dizem Muito
No meio dessa leveza, há uma sombra. Uma personagem que pouco fala, mas carrega em si o peso de um silêncio denso: Mélia.
Há algo nela que não se encaixa completamente no grupo. Uma distância. Uma contenção. Não é arrogância — é tristeza. Uma dor polida, engomada, escondida sob camadas de formalidade. Mélia é a personagem que fala menos, mas é quem mais grita por dentro. E dessa vez, diferente da primeira jogada, eu ouvi.
Talvez porque hoje eu entenda melhor o que é silenciar por proteção. O que é fingir controle para não mostrar rachaduras. Em 2011, eu era jovem demais para notar. Hoje, seus gestos me atravessam. O olhar cabisbaixo. O tom firme, mas trêmulo. A determinação que esconde luto.
“Nem sempre o que cala é tímido. Às vezes é só dor vestida de formalidade.” – Trecho solto durante uma subida
Ela não está só em missão. Ela está em luto. Em reconstrução. Em vingança. E talvez seja por isso que Shulk a compreende. E eu, aqui fora da tela, também.
4. O Heropon e o Riso Como Âncora
É nesse cenário que surge Riki. Caótico. Barulhento. Inusitado. Um soco de cor e som no meio da introspecção do grupo.
Riki parece errado. Um erro de escala, de tom, de tempo. Mas basta vê-lo interagir com os outros, e você entende: ele é necessário. É a gargalhada que salva da loucura. É o respiro entre lágrimas. É a certeza de que, mesmo nos mundos mais sombrios, a alegria é uma forma de resistência.
Casado, pai de muitos filhos, endividado, e ainda assim chamado de Heropon — Riki é o anti-herói mais heróico do jogo. Sua presença quebra a lógica do épico. E talvez por isso mesmo, funciona. Ele não encaixa... ele desencaixa. E é exatamente isso que a narrativa precisa naquele momento.
Rein lhe dá uma cortada digna de vôlei, e eu rio alto. É uma das poucas vezes em que me pego gargalhando sozinho com o jogo. Um frescor. Um alívio. E, ao mesmo tempo, um lembrete de que o riso também é elo. Também é afeto.
Riki é um personagem jogável, o Herói da vila -Heropon -
Super divertido de comandar na party, um verdadeiro frescor nessa parte do jogo.
5. A Teletia
Mas a leveza não dura. Frontier Village também tem seu monstro escondido. Sua dor engasgada. E ela atende pelo nome de Teletia.
A batalha que se segue é mais do que um desafio mecânico. É um embate emocional. Contra o estranho. Contra o que ameaça, sem explicar por quê. A Teletia lê pensamentos, antecipa ataques, absorve energia. É como lutar contra uma versão escura de si mesmo. É como brigar com o que ainda não se compreende.
Durante a luta, Mélia se rompe. Algo nela cede. Algo no grupo muda. A floresta, que até então era lar, vira arena. E o contraste visual é forte: luzes coloridas se chocam contra raízes negras. O palco da infância vira campo de guerra. E você sente — sente mesmo — que não está lutando apenas com espadas, mas com memórias. Com medos. Com fantasmas internos.
“Às vezes, o inimigo que enfrentamos por fora é só a metáfora do que ainda estamos enfrentando por dentro.” – Anotação mental durante a luta
É difícil. É injusto. Mas eles vencem. Porque se apoiam. Porque acreditam uns nos outros. Porque, no fim, a única forma de sobreviver a um mundo cruel... é juntos.
6. A Saída Pelo Lago e o Efeito-Pintura da Floresta
E quando tudo parece ter explodido, a saída vem pela água. Um lago que acolhe, refresca, devolve a calma. É como se o jogo dissesse: “Agora respira. Você sobreviveu.”
Makna Forest é uma pintura. Um lugar que não foi apenas desenhado — foi sentido. É como se cada cor tivesse emoção. Cada galho tivesse memória. A água reflete não apenas o céu, mas os olhos do jogador. Porque ali, depois de tanta dor, tanta beleza, tanta descoberta... somos outros.
O grupo mudou. Mélia mudou. Eu mudei.
“Nem sempre é preciso correr. Às vezes, basta permanecer.” – Frase rabiscada no save
Em 2025, subo novamente pelos galhos daquela árvore gigante. Os gráficos estão melhores. Os sons me parecem os mesmos. Mas eu — eu sou outro. E essa é a mágica de rejogar um jogo como Xenoblade: descobrir que as paisagens são as mesmas, mas o viajante mudou.
Segundas impressões não são repetições. São reencontros. Com lugares. Com personagens. E, principalmente, com versões de nós mesmos que já não existem mais — mas que ainda reconhecem o caminho.
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